domingo, 13 de junho de 2010

O Velho Casarão

Pelos cantos da biblioteca,
Escorrendo de uma fresta,
Dorme o pó ao som do sol.
Junto à estante uma boneca,
Que um dia cheirou a giesta,
Parece olhar aquele lençol.

Um silêncio range a porta
E sussurra o cortinado;
O escuro brilha solitário.
O passo parece que corta
Aquele tapete desbotado.
Pesa o tempo um relicário!

Num canto mais afastado,
Junto à secretária velha,
Jaz o corpo duma poltrona.
Tem o dorso bem tapado,
Um mocho por parelha,
E uma mesinha solteirona.

Lá fora o relógio da torre,
Grita ao alto o meio-dia.
É coisa bem do seu agrado,
Por lembrar, agora que morre,
O passado em que se ouvia,
Gente em casa do Morgado.


Leonel Auxiliar, Serpa, 13.06.2010 122 anos do nascimento de F. Pessoa

Tudo Ou Quase Nada

Quero e não quero! Tudo! Mais nada!
Então uso, abuso e depois... Deito fora!
Já não sobra de querer, nem que viver.
As asas já não voam além da entrada,
A vida não dura mais que uma hora,
E mal nasci, já estou quase a morrer.
Só tenho voz, apesar de muito cansada!

Quero e não quero! Tudo! Mais nada!
Amo hoje, amanhã não... Ou talvez...
De dia, já muito pouco me importa,
À noite, até que venha a madrugada,
Atravesso a cidade de lés a lés,
Corro as horas de porta em porta,
No leito a alma deito, embriagada!

Quero e não quero! Tudo! Mais nada!
Vendo a alma a um qualquer diabo,
Sonho ainda, como fosse só menino,
Falo muito quando não digo nada,
Mas visto bem, ao fim e ao cabo,
Havia de ser este o meu destino!
E tenho tudo! Tudo, ou quase nada!




Leonel Auxiliar, Serpa 13.06.2010